Entrevista concedida à Revista Nova Escola publicada no site da revista em 03/2007 pelo filósofo
italiano Pier Cesare Rivoltella que é especialista em Mídia e Educação da
Universidade Católica de Milão. Ele diz que a tecnologia e seu conteúdo devem
fazer parte do dia-a-dia escolar.
Por Débora Didonê
O Brasil ainda engatinha quando se fala em inclusão digital
nas escolas públicas. Até o ano passado, das 143 mil instituições de Ensino
Fundamental do país, cerca de 17 mil contavam com laboratórios de informática,
segundo dados do Ministério da Educação (MEC). Porém cresce nas faculdades de
Educação a preocupação em formar profissionais preparados para lidar
teoricamente com a linguagem das novas mídias e seu significado nas salas de
aula.
É para apoiar projetos como esse que o filósofo italiano
Pier Cesare Rivoltella, especialista em Mídia e Educação da Universidade
Católica de Milão, na Itália, visita o Brasil com freqüência. Ele orienta
pesquisas sobre a relação entre jovens e internet do Grupo de Pesquisa Educação
e Mídia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), onde
também dá aulas sobre Mídia e Educação, e acompanha pesquisas de mestrado na
Universidade Federal de Santa Catarina.
Para Rivoltella, os meios de comunicação dão impulso à
inovação do ensino. "É a troca da abordagem tradicional - baseada na fala
do professor à frente da sala de aula - pelo uso de mídias que favoreçam o
trabalho em grupo mais ativo, dinâmico e criativo em todas as
disciplinas." O especialista, que também forma docentes da rede pública
italiana, ainda sente uma certa resistência cultural quando se fala em
tecnologia na sala de aula. "Os professores não são formados para lidar
com elas", afirma. No Brasil, o cenário não é muito diferente. "As
experiências, geralmente, são voltadas para o conhecimento técnico dos meios de
comunicação, não o crítico."
NOVA ESCOLA - Como os jovens se relacionam com as novas
tecnologias?
RIVOLTELLA - Uma das maiores características desse público é o que chamamos de
uma disposição multitarefa. Ele responde às mensagens do celular, ouve música
no iPod, vê TV e fala com os amigos no Messenger - tudo ao mesmo tempo. Da mesma
forma, ele sabe que acessar a internet pelo computador de casa ou pelo telefone
celular é muito diferente. O computador, geralmente, é de toda a família e fica
na sala. O celular é pessoal. Além disso, o jovem de hoje reconhece as
especificidades de cada tecnologia e se adapta a elas. Ele pode sair pela
cidade enquanto olha a tela do celular - o que é impossível na frente da tela
de um computador. Fazer tudo isso simultaneamente é uma característica típica
das novas gerações. Por um lado, isso lhes confere uma elaboração cognitiva
muito rápida. Por outro, acaba deixando-os na superficialidade, pois não dá
tempo de se aprofundar nos assuntos.
NOVA ESCOLA - Como as escolas se relacionam com esses jovens?
RIVOLTELLA - Mal, muito mal. Hoje, as novas gerações estão completamente ligadas à
tecnologia e aos meios de comunicação. Elas fazem parte de uma cidade que não é
só real mas também digital. E nesse espaço você não é brasileiro nem italiano.
Os jovens de hoje são criados numa sociedade digital. Por isso, educar para os
meios de comunicação é educar para a cidadania. Daí vem a urgência de a escola
se integrar a essa realidade.
NOVA ESCOLA - O que significa dizer que a mídia deve fazer parte do
cotidiano da escola?
RIVOLTELLA - Que ela deve permear os processos de ensino e aprendizagem, como acontece com a
escrita. O papel do professor que usa a tecnologia é parecido com o do diretor
de um filme. Trata-se de um professor-diretor, que não se limita a falar, mas
passa a direcionar o uso dos meios de comunicação pelos alunos.
NOVA ESCOLA - Qual a melhor forma de levar o tema mídia para a sala de
aula?
RIVOLTELLA - Como um tema transversal. Alguns pesquisadores defendem a criação de uma
disciplina específica, mas já está provado que isso não funciona. Se apenas um
professor responde pelo conhecimento da tecnologia e da mídia (como ocorre em
muitas escolas que têm salas de informática), os outros tendem a se
desinteressar pelo assunto. E, para ser eficaz, esse trabalho precisa ser feito
em equipe. O professor de Língua Portuguesa trabalha com a análise do texto e o
uso da linguagem na mídia. O de Arte, com a dimensão expressiva dos meios. O de
Tecnologia, com as ferramentas. O de Matemática, com a representação da
disciplina nos diferentes meios de comunicação. E assim por diante.
NOVA ESCOLA - O professor que não fizer isso vai ficar para trás?
RIVOLTELLA - Sim, já está ficando. E digo isso porque ele não compartilha com os alunos a
mesma cultura, o que gera um abismo entre eles. A pior conseqüência disso é não
conseguir estabelecer um diálogo educativo. Aqui, na Europa, é comum o
professor ver os meios de comunicação como uma cultura popular e de baixo
nível, em oposição aos livros, que são a alta cultura. No Brasil, me parece, a
questão é outra: muitos educadores não têm sequer acesso a elas. Nesse caso, a
situação é ainda pior.
NOVA ESCOLA - Como os professores se relacionam com as novas mídias?
RIVOLTELLA - Uma pesquisa que fizemos em 2006 revelou que 18% dos professores italianos só
usam a internet para fazer pesquisas. Eles também não debatem com os alunos os
problemas culturais ligados às novas tecnologias - ou porque não entendem que
isso interessa a eles, ou porque não se consideram preparados para isso. Na
escola, a tecnologia ainda é vista como um perigo, não como uma aliada.
NOVA ESCOLA - O que o professor precisa para explorar as tecnologias em
sala de aula?
RIVOLTELLA - Precisa saber fazer análises críticas e organizar atividades de produção usando
essas tecnologias (e também os meios de comunicação). Os computadores e
celulares deixaram de ser apenas ferramentas de recepção. Hoje, são também de
produção. Uma criança pode tirar fotos ou fazer vídeos com um celular e publicá-los
na internet. Qualquer um pode editar e produzir conteúdo. Há cinco anos, éramos
apenas consumidores de conteúdos prontos. Da mesma forma, é importante o
professor organizar palestras e oficinas de produção multimídia, conhecer as
linguagens da mídia, saber utilizar uma câmera e dominar a dinâmica dos textos
na internet, com seus links para outros textos. Na Itália, trabalhos como esse
são feitos nas disciplinas de Arte e Língua Italiana no Ensino Fundamental.
NOVA ESCOLA - Os cursos de graduação em Pedagogia têm a preocupação de
preparar os professores para lidar com as novas tecnologias?
RIVOLTELLA - Na Itália, ainda não temos um curso de graduação que forme mídia-educadores -
isso só existe em nível de mestrado e doutorado. No Brasil, essa preocupação
parece ser maior. Na faculdade de Educação da PUC de São Paulo, há estudos
sobre o tema desde meados dos anos 1990. O mesmo ocorre na Faculdade de
Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A PUC do Rio de Janeiro
e a Universidade Federal de Santa Catarina também têm disciplinas de Mídia e
Educação nos cursos de graduação em Educação. E acompanho projetos como
orientador do Grupo de Pesquisa Educação e Mídia da PUC carioca.
NOVA ESCOLA - O que um curso desse tipo deve oferecer aos futuros
professores?
RIVOLTELLA - Em primeiro lugar, é essencial definir objetivos e metodologias para uma
formação que abranja todos os meios de comunicação. Isso permite que o
professor, quando passar a dar aula, saiba em que momento deve usar cada mídia
com os alunos, o que facilita muito seu planejamento. Ele também precisa
conhecer teorias da comunicação e da recepção e metodologias de pesquisa, como
técnicas de entrevistas. E, finalmente, o curso deve ensinar a avaliar. Em
mídiaeducação, provas objetivas não permitem a mensuração do que o aluno vê numa imagem. É
preciso observá-lo vendo TV. Analisar o comportamento no contexto real em que
ele lida com a mídia ajuda o professor a perceber comportamentos reais e a
propor debates e discussões.
NOVA ESCOLA - Ao mesmo tempo, o senhor defende a criação de um novo tipo
de profissional, o mídia-educador. Qual o papel dele?
RIVOLTELLA - Ele é um especialista no tema. Tem competências nas áreas de Comunicação e
Pedagogia e, na escola, ajuda a formar os professores das outras disciplinas e
atua em conjunto com eles no aprofundamento do trabalho educativo com os meios
de comunicação. Na Europa, os mídia-educadores vêm da Comunicação e da
Pedagogia - ou se formam em cursos como o de Mídia e Educação, que dirijo desde
1999. Eles já atuam em algumas escolas públicas italianas, embora o Ministério
da Educação não tenha posição oficial sobre a questão. Muitos são consultores
de escolas, sobretudo nas que têm autonomia financeira. Muitos defendem que esse mídia-educador ajude a aprimorar a
programação infanto-juvenil. Eu estou entre eles. O mídia-educador é o profissional que tem competências
pedagógicas para preservar os valores e a ética necessários na produção
audiovisual direcionada ao público infanto-juvenil. Há tentativas de inserir o
mídia-educador nos canais de TV italianos, mas as empresas ainda estão
completamente voltadas a interesses econômicos. No Brasil, ainda há muita resistência ao uso da tecnologia
na escola. Isso é muito ruim porque o Brasil fica para trás nessa questão que é crucial.
Na Europa, ela já foi amplamente superada, pelo menos no que diz respeito a
computadores. O que falta é formar professores que dominem as relações entre
mídia e Educação. Hoje, o que existe é uma competência instrumental, o mínimo
necessário para desenvolver um pensamento crítico sobre a internet, por
exemplo.
NOVA ESCOLA - Dá para usar o computador em classe quando não há um por
aluno?( Pergunta da leitora Ana Paula Pereira Rocha Lima, Jacobina, BA)
RIVOLTELLA - Nesses casos, o melhor a fazer é ensinar os alunos que a tecnologia é uma
ferramenta social. Como fazer isso? Formando grupos que negociem o uso de uma
mesma máquina. Em alguns casos, eu acho até melhor ter menos computadores por
sala de aula. As escolas provavelmente ganhariam mais se tivessem um computador
em cada sala em vez de uma sala de informática com todos os computadores dentro
- e 30 ou 40 turmas brigando para usar o espaço. Isso permitiria inserir as
tecnologias nas práticas cotidianas. Mas só funciona se todos os professores
estiverem dispostos a trabalhar com o computador no dia-a-dia.
NOVA ESCOLA - Como atuar numa escola sem TV, DVD, computador?
RIVOLTELLA - É possível desenvolver bons trabalhos usando meios como a escrita e a
fotografia. Até as rádios comunitárias, que são muito comuns no Brasil, podem
ser bem aproveitadas em sala de aula.
CONTATO: Pier Cesare Rivoltella, piercesare.rivoltella@unicatt.it
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